Vou puxar pelo juízo
Para saber-se quem sou
Prumode saber-se dum caso
Talqual ele se passou
Que é o boi liso vermelho
O Mão de Pau corredor
Desde em cima, no sertão
Até dentro da capitá
Do norte até o sul
Do mundo todo em gerá
Em adjunto de gente
Só se fala em Mão de Pau
Pois sendo eu um boi manso
Logrei a fama de brabo
Dava alguma corridinha
Por me ver aperriado
Com chocalho no pescoço
E além disto algemado…
Foi-se espalhando a notícia
Mão de Pau é valentão
Tando eu enchocalhado
Com as algemas nas mãos
Mas nada posso dizer
Que preso não tem razão
Sei que não tenho razão
Mas sempre quero falá
Porque além d’eu estar preso
Querem me assassinar
Vossamercês não ignorem
A defesa é naturá…
Veio cavalos de fama
Pra correr ao Mão de Pau
Todos ficaram comido
De espora e bacalhau…
Desde eu bezerro novo
Que tenho meu gênio mau
Na serra de Joana Gomes
Fui eu nascido e criado
Vi-me a morrer de sede
Mudei-me lá pro Salgado
Daí em vante os vaqueiro
Me trouveram atropleado…
Me traquejaram na sombra
Traquejavam na comida
Me traquejavam nos campo
Traquejavam nas bebida
Só Deus terá dó de mim
Triste é a minha vida
Tudo quanto foi vaqueiro
Tudo me aperriou
Abaixo de Deus eu tinha
Fabião a meu favor
Meu nego, chicota os bichos…
Aqueles pabuladô…
Pegaram a me aperiar
Fazendo brabo estrupiço
Fabião na casa dele
Esmiuçando por isso
Mode no fim da batalha
Pudê fazê o serviço…
Tando eu numa maiada
Numa hora d’amei-dia
Que quando me vi chegá
Três vaqueiro de enxurria
Onde seu José Joaquim
Este me vinha na guia
Chegou-me ali de repente
O cavalo Ouro Preto
E num instante pegou-me
Num lugá até estreito
Se os outros tiveram fama
Deles não vi o proveito…
Ali fui enchocalhado
Com as algemas na mão
Butado por Chico Luca
E o Raimundo Girão
E o Joaquim Silvestre
Mandado por meu patrão
Aí eu me levantei
Saí até choteando
Porque eu tava peiado
Eles ficaram mangando
Quando foi daí a pouco
Andava tudo aboiando…
Me caçaram toda a tarde
E não me puderam achar
Quando foi ao pôr-do-sol
Pegaram a si consultar
Na chegada de casa
Que história iam contar
Quando foi no outro dia
Se ajuntaram muita gente
– Só pra dá desprezo ao dono
Vamos beber aguardente…
Pegaram a si consultar
Uns atrás, outro aguente…
Procurei meus pasto veio
A serra de Joana Gome
Não venho mais no Salgado
Nem que eu morra de fome
Pru que lá aperriou-me
Tudo o que foi de home…
Prefiro morrer de sede
Não venho mais no Salgado
No tempo em que tive lá
Vivi muito aperriado
Eu não era criminoso
Porém saí algemado
Me caçaram muito tempo
Ficaram desenganado
E eu agora de meu
Lá na serra descansado…
Acabo de muito tempo
Vi-me muito agoniado
Quando foi com quatro mês
Um droga dum caçadô
Andando lá pulos matos
Lá na serra me avistou
Correu depressa pra casa
Dando parte a meu sinhô
Foi dizê a meu sinhô
– Eu vi a Mão de Pau na serra -
Daí em diante os vaqueiro
pegaro a mi fazê guerra
Eu não sei que hei de fazê
Para vivê nesta terra…
Veio logo o Vasconcelos
No cavalo "Zabelinha",
Veio disposto a pegar-me
Pra ver a fama que eu tinha
Mas não eu pra eu buli
Na panela das meizinha…
Sei que tô enchocalhado
Com as argemas na mão
Mas esses cavalos mago
Enfio dez num cordão
Mato cem duma carreira
Deixo estirado no chão…
Quando foi no outro dia
Veio Antônio Serafim
Meu sinhô Chico Rodrigue
Isso tudo contra mim…
Vinha mais muito vaqueiro
Só pro-mode dá-me fim
Também vinha nesse dia
Sinhô Raimundo Xexéu
Este passava por mim
Nem me tirava o chapéu
Estava correndo a toa
Deixei-o indo aos boléus
Foram pro mato dizendo
O Mão de Pau vai a peia
Se ocuparo neste dia
Só em comê mé-de-abeia
Chegaro em casa de tarde
Vinham de barriga cheia
Neste dia lá no mato
Ao tirá duma amarela
Ajuntaram-se eles todo
Quase qui brigam mor-dela
Ficaram todos breados
Oios, pestana e capela…
Quem vinhé a mim percure
Um cavalo com sustança
Ind’eu correndo oito dia
As canela não me cansa
Só temo a cavalo gordo
E vaqueiro de fiança…
Eu temia ao Cubiçado
De Antônio Serafim
Pra minha felicidade
Este morreu, levou fim
Fiquei temendo o Castanho
Do sinhô José Joaquim
Mas peço ao José Joaquim
Se ele vier no Castanho
Vigi não faça remô
Qu’eu pra corrê não me acanho
Nem quero atrás de mim
De fora vaqueiro estranho
Logo obraram muito mal
Em correr pro Trairi
Buscar vaqueiro de fora
Pra comigo divirti
Tendo eu mais arreceio
Dos cabaras do Potengi
Veio Antônio Rodrigues
Veio Antônio Serafim
Miguel e Gino Viana
Tudo isto contra mim
Ajuntou-se a tropa toda
Na casa do José Joaquim
Meu senhô Chico Rodrigues
É quem mais me aperriava
Além de vir muita gente
Inda mais gente ajuntava
Vinha em cavalos bons
Só pra vê se me pegava…
Vinha dois cavalos de fama
Gato Preto e o Macaco
E os donos em cima deles
Papulando no meu resto
Tive pena não nos vê
Numa ponta de carrasco
Ao senhô Francisco Dias
Vaqueiro do coroné
Jurou-me muito pegá-me
No seu cavalo Baé
Porém que temia a morte
S’alembrava da muié…
Vaqueiro do Potengi
De lá inda veio um
Um bicho escavacadô
Chamado José Pinun
Vinha pra me comê vivo
Porém vortô em jijum…
Veio até do Olho d’Água
Um tal Antônio Mateu
Num cavalo bom que tinha
Também pra corrê a eu
Cuide de sua famía
Vá se encomendá a Deus…
Veio até senhô Sabino
Lá da Maiada Redonda
É bicho que fala grosso
Quando grita a serra estronda
Conheça que o Mão de Pau
Com careta não se assombra
Dois fio de Januaro
Bernardo e Maximiano
Correram atrás de mim
Mas tirei-os do engano
Veja lá que Mão de Pau
Pra corrê é boi tirano…
Bernardo por sê mais moço
Era mais impertinente
Foi quem mais me perseguiu
Mas enganei-o sempre
Quem vier ao Mao de Pau
Se não morrer, cai doente…
Cabra que vier a mim
Traga a vida na garupa
Se não eu faço com ele
O que fiz com Chico Luca
Enquanto ele fô vivo
Nunca mais a boi insulta…
Senhô Antônio Rodrigue
Mas seu Gino Viana
Vocês tão em terra aleia
Apois vigie como anda
Se não souberam dansá
Não se metessem no samba
Vaqueiro do Trairi
Diz. Aqui não dá recado
Se ele dé argum dia santo
Todos ele são tirado
Deix’isso pr’Antonho Ansermo
Que este corre aprumado…
Quando vi Antonho Ansermo
No cavalo Maravia
Fui tratando de corrê
Mas sabendo que morria
Saiu de casa disposto
Se despidiu da famia…
Vou embora desta terra
Pru que conheci vaqueiro
Eu vou de muda pros Brejo
Mode dá carne aos brejeiro
Do meu dono bem contente
Que embolsou bom dinheiro…
Adeus Lagoa dos Veio
E lagoa do Jucá
E serra da Joana Gome
E riacho do Juá
Adeus até outro dia
Nunca mais virei por cá…
Adeus Cacimba do Salgado
E poço do Caldeirão
Adeus lagoa da Peda
E serra do Boqueirão
Diga adeus que vai embora
O boi d’argema na mão…
Já morreu, já se acabou
está fechada a questão
Foi s’embora desta terra
O dito boi valentão
Pra corrê só Mão de Pau
Pra verso só Fabião!
Fabião das Queimadas (1848-1928), Fabião Hemenegildo Ferreira da Rocha, Lagoa de Velhos - Rio Grande do Norte.
Um comentário:
vou falar dum guerreiro
que arma nunca usou
a rebeca era um escudo
arma que o libertou
o fabião das queimadas
que com poesia lutou
foi na lagoa de velhos
bem perto do sertão
que nasceu e viveu
esse poeta irmão
escravizado pela cor
mas livre de imaginação
valeu grande fabião
pela poesia cantada
sua luta e sua glória
está hoje imortalizada
aceite do linosapo
essa rima improvisada
Postar um comentário