06/10/2017

A jornada de Fabião das Queimadas pela arte e liberdade


Um dos primeiros grandes poetas populares do rio Grande do Norte, Fabião das Queimadas (1848-1928) tem uma história de vida extraordinária. Negro, escravo, analfabeto, ele conseguiu por meio da sua liberdade, a da sua mãe e a da sua esposa. Acompanhado de sua rebeca, circulou pelas fazendas dos coronéis cantando seus versos que falavam de pegas de boi e da vida sertaneja.
A história do potiguar, bem como seus versos - alguns nunca registrados em livro -, foi revisitada em livro pelo escritor, pesquisador e poeta paraibano Irani Medeiros. "Fabião das Queimadas - de Vaqueiro a Cantador" foi lançado nesta quinta(05), no estande da CJA Edições, na Feira de Livro e Quadrinhos de Natal (Fliq), que acontece no Complexo Cultural da UERN, na Zona Norte,entre os dias 5 e 8 de Outubro, com entrada gratuita.
Resultado de três anos de pesquisa, o livro traça um perfil  biográfico de Fabião, contextualizando vários aspectos que envolvem sua história, que começa na época do império, quando a escravidão era vigente, e vai até o período da República, na segunda década do século XX. "Fabião é o primeiro poeta popular do agreste do RN, influenciando vários que vieram depois. Estava ligado ao ciclo do couro. Analfabeto, assistia vaquejadas, pega de boi e ia pra casa compor de cabeça suas cantorias. A poesia popular nordestina começou nesse ciclo. boi e cavalo são elementos fundamentais", comenta Irani em entrevista ao VIVER.

"Fabião tocava rabeca, um instrumento primitivo, menos usual nas cantorias, que envolviam mais as violas e o pandeiro, aprendeu a tocar e cantas sozinho, ainda jovem. Nasceu com esse dom. no Brasil, a partir do que se tem de registro, deve ter sido o primeiro cantador a usar rabeca, depois vieram outros, como o cearense Cego Aderaldo", conta Irani. "Fabião foi um cara safo, apesar da carta de recomendação do Capitão José Ferreira da Rocha, ele soube circular entre os coronéis , fazendeiros, se apresentava mais nesses espaços do que nas feiras de rua".

Como as informações  sobre o poeta potiguar sempre foram poucas, o autor fez uma investigação IN LOCO pelos lugares por onde passou Fabião. Irani visitou desde a casa onde Fabião nasceu, na Fazenda Queimadas (do Capitão José Ferreira da Rocha), hoje pertencente ao município de Lagoa de Velhos, até o Sítio Riacho Fundo, na Zona Rural de Barcelona, onde o poeta viveu até a morte em decorrência de uma picada de cobra venenosa.
Irani também conversou com dois descendentes do cantador, os netos Raimundo e José Fabião, de 95 e 94 anos, respectivamente - ambos herdaram o interesse pela cantoria, o primeiro toca viola e o segundo, rabeca. Foi Raimundo que lhe passou alguns poemas do avô nunca registrados. Outros foram encontrados na pesquisa bibliográfica, em livros de Câmara Cascudo e de José Bezerra Fernandes.

"Fabião deixou uma poesia significativa. Era essencialmente oral, então muita coisa se perdeu com o tempo. O que ficou de registro foram os apologistas, pessoas de mente privilegiada que pegavam as canções de ouvido e, nas condições precárias de escrita, conseguiram passar para o papel", diz o pesquisador paraibano. Dentre os poemas mais conhecidos de Fabião, se destaca "Romance do Boi Mão de Pau", com 48 estrofes.

História cheia de lacunas

Em suas pesquisas, Irani buscou encontrar respostas para algumas questões em aberto sobre a vida de Fabião. Por exemplo, não é certo que o poeta compra a própria liberdade. "Segundo um dos netos, se especula que Fabião seja filho de uma relação do Capitão José Ferreira da Rocha com a escrava Antônia, mãe do cantador. Tanto que Fabião recebe o sobrenome do capitão (Ferreira da Rocha) e herda um pedaço de terra, dividido junto aos filhos do capitão. Talvez ele tenha ganhado do capitão a alforria por causa de seu talento como cantador e rabequeiro", argumenta o autor.
Outra confusão que se tem sobre Fabião é com relação a ele ter se casado com a sobrinha. Irani esclarece. "Fabião não teve irmãos. A não ser que se conte os dois filhos do Capitão José Ferreira da Rocha como seus legítimos parentes, o que teria sido uma loucura grande. Na verdade Fabião se casou com uma prima de segundo grau, também escrava. Ele conseguiu  comprar a alforria com o dinheiro que arrecadava das apresentações. Mas primeiro, ele comprou a liberdade da mãe", diz Irani. Depois ele pretende ampliar a pesquisa, no intuito de encontrar consensos quanto as lacunas que ainda existem sobre a biografia do poeta.

Tribuna do Norte

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