29/06/2018

Documentário ‘O Muro’ investiga a polarização político-social do Brasil

Foto: Divulgação

O Brasil foi marcado por uma onda de manifestações nos últimos anos, que fez a sociedade acordar para a falta de educação política e social que paira sobre nós mesmos. Desde 2013, com o Movimento Passe Livre, as ruas são tomadas por aqueles que reivindicam algo e viram na mobilização social uma forma de chamar a atenção para um determinado problema – seja ele a reforma agrária ou a transportação internacional de animais vivos. Impactado pela proporção que as manifestações pré Impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o cineasta Lula Buarque de Holanda teve motivação o suficiente para sair às ruas também, mas para captar o momento histórico. O resultado da produção feita pela Espiral Criação e pela Produção Cultural é o documentário O Muro, que pode ser visto com exclusividade no canal Curta!.
O formato beira a videoarte, com uma proposta estética nova para os aficionados por documentários. Isso porque o filme de 87 minutos reúne cenas de 30 segundos de manifestantes anti e pró Impeachment, mesclado com voz off da captação de áudio das entrevistas feitas com essas pessoas. O interessante é notar que o que é falado não necessariamente foi dito pela pessoa da imagem. “O grande desafio do roteiro foi justamente esse. Fizemos as transcrições de todas as entrevistas, agrupamos os relatos, separamos por temas e só assim conseguimos fazer a narrativa fazer sentido”, explica a roteirista Isabel de Luca. A escolha de montar o filme desta forma foi feita depois da primeira ‘visita’ às ruas. “Muita coisa estava sendo dita visualmente, nas vestimentas, nos cartazes, nas feições”, completa Isabel.
O roteiro, portanto, divide-se em antes, durante e depois do Impeachment, com uma pequena comparação do ‘muro’ que dividiu a sociedade brasileira, com outros que fizeram ou fazem parte de sociedades mundo a fora – como a Alemanha e o Muro de Berlim, e o Estado de Israel e o Muro da Cisjordânia. “Gravamos tudo na guerrilha, era basicamente eu, a Isabel e o cinegrafista”, conta Lula Buarque de Holanda. “As manifestações cresceram tanto, que quando vi, estávamos cobrindo as manifestações em Brasília.” Inclusive, foi lá que ele refletiu sobre o nome do documentário. “Criaram um muro de ferro na Esplanada – nada mais autoexplicativo que isso para mostrar o quanto o povo brasileiro estava dividido”, explica o diretor.
O documentário O Muro não tem pretensão nenhuma de pautar um lado ou o outro das manifestações, apenas registrar o momento pelo qual a população viveu dias intensos. A partir disso, os envolvidos no projeto decidiram visitar outros lugares que tinham estruturas que separavam a população, e então partiram para Berlim e Jerusalém. “São dois tipos de muros: um que separava o próprio povo (como do de Brasília), e outro que separa povos e crenças diferentes”, diz Lula Buarque, citando a participação do acadêmico Michel Gherman para o embasamento teórico e histórico para complementar o argumento do documentário.

Difícil não sentir um incômodo ao ver o documentário. A trilha sonora estridente, as imagens fortes, os momentos nas diferentes cidades – eles gravaram em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Brasília – e os relatos fazem o espectador refletir sobre diversas coisas. Entre elas, e talvez a mais preocupante, é sobre a falta de argumento de ambos os lados para defender os seus pensamentos e defesas políticas, que reflete diretamente na falta de educação política que o Brasil tem. “Dava uma tristeza, uma dor no estômago ver e ouvir tudo aquilo. Mas por outro lado foi importante para nós, porque vimos como estava a situação do país. Não adiantava pegar vozes teóricas, queríamos retratar a verdade, e, infelizmente, é essa a verdade”, fala a roteirista. Intolerância e falta de empatia são as características mais comuns dos relatos captados para O Muro. Por isso a importância de refletir sobre os outros ‘muros’ sociais ao redor do mundo: “onde eles se igualam?”, se indaga Isabel.
Apesar da experiência ter sido, por um lado, emocionalmente marcante, foi engrandecedora no sentido de aprendizado. “Quando fomos para Berlim, descobri que a Alemanha tem uma lei que proíbe a extrema direita, para evitar o nazismo, e a negação do holocausto. Eles ainda sentem muita vergonha do que aconteceu, mas não escondem isso. Não fingem que nada aconteceu, eles agiram de alguma forma. Isso me deu esperança diante da democratização”, reflete Lula Buarque de Holanda. “É um bom exemplo de reflexão diante dos nosso próprios erros, sempre podemos evoluir. Sinto que aqui ainda estamos no meio do caminho. Temos que construir um muro, na verdade, contra a extrema direita – homofobia, racismo e outros preconceitos não podem ser tolerados. As ideias excludentes são péssimas para a democracia.”

O Muro
Formato/ano: Documentário 2017
Estreia: Canal Curta!, dia 29/06, às 22h30
Outras exibições:
Sáb, 30 jun às 02:25h
Dom, 1 jul às 22:30h
Seg, 2 jul às 16:30h
87 min. Brasil. Livre. RJ.
De Lula Buarque de Hollanda

Sinopse: Realizado em meio à maior crise política da história do Brasil, este documentário investiga a polarização que inflamou de forma inédita um país em que a miscigenação e a cordialidade são tidos como mitos fundadores e seu paralelo no mundo. Na fronteira do documentário, o filme constrói um retrato urgente do Brasil atual.

Globo, via Casa Vogue


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